Desequilíbrio na cadeia produtiva faz lojas temerem falta de produtos no Natal

Comerciantes afirmam que entregas para o Dia das Crianças atrasaram; indústrias de papelão e de plástico responsabilizam falta de matéria-prima

O Dia das Crianças sequer chegou ainda, mas lojistas em Belo Horizonte já se preocupam com o Natal. Devido à escassez de algumas matérias-primas na indústria nacional e à alta de preços repassada pelos fornecedores, comerciantes temem que faltem mercadorias nas prateleiras no final do ano. 

“Os fornecedores não têm previsão de entrega para nada. Falta plástico, caixa de papelão, até sacola. E tudo está subindo, no mínimo, 15%. Bicicleta infantil, por exemplo, pro Natal já não tem mais, só consigo entrega para fevereiro do ano que vem. Estamos tentando fazer estoque, mas não conseguimos fazer mais nada”, diz Guilherme Meyer, 45, um dos sócios da loja de brinquedos Big Z, no bairro Buritis, região Oeste. 

Antevendo essa possibilidade, alguns lojistas se anteciparam e já fizeram pedido de estoque adiantado para o Natal — mas com receio de que o prazo de entrega não seja cumprido. “Nesta época do ano, eu costumo estar com a loja toda arrumadinha para o Dia das Crianças, mas neste ano recebi email de fábricas dizendo que os produtos vão chegar só nesta semana. A entrega está atrasando, então já me adiantei para o Natal, porque, se atrasar, pelo menos o produto chega”, diz Elizabeth Silveira, 60, uma das sócias da loja de variedades Leugim Magazine, em Venda Nova, região Norte. 

O terceiro trimestre traz uma maratona de datas que costuma impulsionar as vendas no varejo: Dia das Crianças, em outubro, seguido pela Black Friday, em novembro e o Natal em seguida. Além da dúvida se o consumidor voltará em peso às lojas em meio à pandemia nessas datas, o perigo de desabastecimento também preocupa o presidente do Sindicato de Lojistas de BH e Região (Sindilojas-BH), Nadim Donato.

 “Neste Natal, vamos ter pouca oferta e pouca demanda. Vai faltar mercadoria em todos os setores. A expectativa de movimentação nas lojas é de 70% do que era antes, neste trimestre. O comércio vai ter que trabalhar com o estoque que tem, e o lojista que comprou depois da reabertura do comércio comprou 20% a 30% mais caro”, detalha. Nesse cenário, ele prevê normalização dos estoques por volta de março de 2021. 

“Minha própria loja não está recebendo brinquedo para o Dia das Crianças. Está faltando plástico, embalagem, papelão para embalar e entregar, alumínio e fio de algodão para os tecidos, é um problema generalizado”, completa. Ele aponta que as grandes redes varejistas já adquiriram o que estava disponível no mercado.
 
Em um cenário que ainda não oferece certezas, a economista Ana Paula Bastos, da Câmara dos Dirigentes Lojistas de BH (CDL/BH), descarta o perigo de desabastecimento de mercadorias no final do ano. “A indústria ainda é capaz de absorver a demanda, se tiver. Ela está esperando o Dia das Crianças, que é um grande termômetro para o Natal”, aposta. 

Nesta semana, uma pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio-MG) revelou que quase metade dos comerciantes mineiros acredita que as vendas de Dias das Crianças neste ano será pior do que em 2019, mas pouco menos de 20% ainda não estão com as lojas preparadas para a data. 

Falta de matéria-prima nas indústrias é fator para escassez de mercadorias

“Por trás de um simples lápis na sua mesa, há escolhas e decisões de milhares de pessoas. Pode haver falta pontual de alguns produtos, mas o que vamos enxergar mesmo é aumento de preços. Houve alta no preço do papelão e do plástico. E importar não resolve, porque a desvalorização do real faz com o que produto importado seja mais caro”, analisa o economista e professor do Ibmec Paulo Pacheco. 

O mercado das embalagens sofre um abalo com a falta dos dois produtos. O abastecimento de plástico em Minas despencou pela metade, segundo a presidente do Sindicato da Indústria do Material Plástico do Estado de Minas Gerais (Simplast), Ivana Braga. A alta na demanda por delivery e por material hospitalar não explica, sozinha, a escassez e o aumento da matéria-prima no mercado, de acordo com ela. 

“Contamos com apenas uma petroquímica, a Braskem. Ele não está conseguindo abastecer o mercado interno e, com o câmbio muito alto, não conseguimos buscar fora. O aumento do plástico no Brasil está na casa dos 30% e vai passar para 40% em outubro”, aponta. A Braskem reduziu a atividades das plantas nacionais a 64% a partir de maio, mas diz já ter normalizado a produção e atender à demanda do mercado interno. 

O reflexo da baixa é sentido na indústria automotiva, de eletrodomésticos e de embalagens, diz Ivana, e a subida no preço está prestes a ser repassada ao consumidor. No caso do papelão, também utilizado em embalagens, um dos problemas foi a diminuição da reciclagem durante a pandemia. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), estima que o consumo de recicláveis tenha aumentado 30% entre março e junho, movido pelos pedidos de comida e encomendas nas casas.

Com a coleta seletiva de lixo paralisada em cidades como Belo Horizonte, porém, e também com a interrupção do trabalho dos catadores de recicláveis, esse aumento não se refletiu em mais material disponível para a indústria. “Estamos com um déficit de material de 20% a 25%, e o dólar alto está impedindo a importação. Acho que, no Natal, não vai faltar papelão, mas a qualidade dele vai cair”, descreve o presidente do Sindicato das Indústrias de Celulose, Papel e Papelão no Estado de Minas Gerais (Sinpapel), Antônio Eduardo Baggio.

“O lojista não pode perder a oportunidade de vender mais (nas próximas datas). Mas há uma lei na economia que diz que todo produto, para ser consumido, tem que ser produzido antes, e isso não está acontecendo hoje”, conclui o professor Paulo Pacheco.

Liberdade FM - O tempo